sábado, 12 de maio de 2012

Morte e vida




Entre a vida azul e felicidades tão claras, caminhava o morto, nativo de suas madrugadas. Disfarçado pela água que rolava, silenciosamente aguardava o momento para secar a saúde e o desejo, derradeiros de suas velhas batalhas.  Através de passos largos e pesados... sem voz, sem olhos, ele chegava de longe. Chegava e lá ficava... além do horizonte, trilhando seus caminhos de suor e pranto com sua dança estranha de passos macabros, com o corpo coberto por grossos panos.

Sobre os seus três últimos meses em vida, assim fora escrito: ‘’ Na névoa da aurora, a última estrela subirá pálida’’. E também nos pálidos dias do corpo, em fila despencariam as lentas imagens da vaidade, nesse abismo que não era mais corpo – deles nem de outro. Revés do nascimento, tu te criastes áspero, pétreo, negro e seco.

Há quem diga que a morte acontece quando se acorda do sonho que é a vida, e não um fim repentino, sem roteiro marcado. Um fim que dita hora, dia e local exato; deixando a diáfana pétala da rosa cada vez mais com seu choro pesado, sangrando o coração penitente, que canta sua tristeza em coro: É feno, ó câncer rebento. É feno a própria vida, que tu há de ver como erva ceifada.

Dói saber que toda uma vida com saúde, toda uma obra completa, naquele momento passa a  não importar mais nada, pois afinal tudo se reverte. Tudo está na natureza, encadeado e em movimento: Raiva, dor, tristeza, carne, moinho,  lamento, ódio, dor, gordura, sangue e frieza. Misturando cada elemento, sente-se o paladar do suco dos sentimentos- raiva medo ou desamor. Mas inverta o segmento, intensifique a mistura, moa tudo e sangre o coentro. Terá no fim a essência do seu sofrimento, numa perda lenta e fisgada da vida.

E assim seguiram para o espelho sem reflexo quando caiu a meia-noite da vida, dando para quem ficava a surpresa maior: O sofrimento da morte fora vencido. Sorriso sereno, sono quieto, a paz querida fora enfim alcançada.

Era tempestade, era escuridão, e ao mesmo tempo era luz, era clarão. Foram embora e nunca mais voltaram. Arrombaram a porta e saíram para sua liberdade.

-‘’ Não chorem’’, eles nos dizem. ‘’Nós nascemos de novo.’’

O corpo se vai, porém ainda fica a alma e a energia que nos traz. Evapora-lhe a vida material... mas isso é apenas o vento batendo forte no litoral, levando-os pelas alamedas. E quando finalmente eles param lá de cima para nos olhar, as águas todas correm como lágrimas de felicidade para dentro de seus olhos. E foram tão amados, que mesmo com passo pesado, puderam voar... bailando sobre o pasmo humano, puderam evaporar... e a branca luz se tornou suas vestes, e com as pontas de seus dedos cintilavam o arco-íris.


- ‘’ Não chore, meu sobrinho querido’’, ela me diz.
- ‘’ Não chore, meu filho querido’’, ele lhe diz.


Pertencem agora ao tempo da eternidade...  as nuvens os empurram pelos cabelos e o azul do mar escorre entre os seus dedos, perdendo-se na espuma branca e colorindo o mundo inteiro - seu castelo de instantes. A música é tecida com as arpas dos sonhos e naquelas nuvens e nos pensamentos, Deus agora se ocupa do vento. Translúcidos, flutuam... vê-se a luz do sol passando singela e delicada entre seus dedos, brilham em seus olhos o coral de cada dia, levando a aurora de seu novo nascimento em cada fio do cabelo.

- Querida tia Zenilda, Querido artista Guta: Que não seja vossa morte uma dor perene que susta a calmaria e sim o prelúdio de uma nova e singela vida.

(Por Guilherme R.) 

Um comentário:

Helena Brandão disse...

Bonito. Como tudo na vida, a morte também é questão de ponto de vista. E esta é uma maneira linda de enxergá-la.