terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Cotidiano



Pus meu sonho num navio. E o navio em cima do mar(...)
Eram seis e vinte da manhã. O despertador tocava "Don't worry, be happy" na voz de Bob Marley - Bom dia. As roupas estão cuidadosamente dobradas em cima da poltrona do quarto e as apostilas dentro da mochila, onde as deixei quando desisti de estudar na noite de quarta-feira. O retrato do meu irmão na parede me fita pela manhã, o seu sorriso permanece o mesmo de quinze anos atrás, quando eu ainda o via através das grades do berço. Sabe quando você acorda assim, meio sem sentido? Parece organizado mas na verdade está tudo fora de ordem. A sala meio bagunçada, cozinha desarrumada, cortinas seladas e ela sempre ali; inesperada. São seis e quarenta. Uso cinco minutos para, cuidadosamente, escolher a primeira música do dia e lembrar de alguém, dez minutos para comer algo, três para ver que me torno vítima da minha ansiedade, e mais três para enxergar o problema e descobrir que não sei resolvê-lo. E (...)depois, abri o mar com as mãos para o meu sonho naufragar.


Minhas mãos ainda estão molhadas do azul das ondas entreabertas, e a cor que escorre de meus dedos colore as areias desertas. O azul das ondas se mistura com o cinza e sem sentido apelo do pensamento, da sem sentido persistência da memória, da confusão das músicas, dos retratos, dos cheiros e dos perfumes. É tudo reflexo da mente quando não pensa-se direito, da ansiedade inimiga; da incontrolável vontade de entender todas as pessoas, seus gestos, seus sorrisos, seus sentimentos; de lhes dar um abrigo. Do profundo desgosto que às vezes temos por saber que estamos nos enganando, achando que aceitamos as coisas como estão acontecendo, quando, no fundo, não aceitamos. "As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão."


O vento vem vindo de longe, a noite se curva de frio; debaixo da água vai morrendo o sonho , dentro de um navio(...)
São sete em ponto. Atrasado pra aula, olhos se fechando e rosto inchado. A porta da sala se abre e vejo os mesmos rostos pela manhã, os iguais sorrisos e um velho e passageiro mal-humor. Biologia, livros, caderno, nomes, varanda, quadro, saco cheio, iPod, Jimmy Hendrix, Johnny Cash, Pearl Jam, Oasis, Los Hermanos, MGMT, Jack Johnson, John Mayer, Xavier Rudd, The Beautiful Girls, ritalina. Dia cinza, céu fechado, portos inseguros e mãos atadas. Por um momento parece que perdemos o controle da situação, ou foram só rajadas de raios de mil cores visitando o pensamento?

Irei chorar quando for preciso, para fazer com que o mar cresça. E o meu navio chegue ao fundo e o sonho desapareça(...)
Pensou? Refletiu? Tudo meio sem sentido de novo.
Chega disso. Vou passar a madrugada arrumando meu quarto, meus retratos, meus sorrisos e a vida. Vou escrever a crônica da última semana e mostrar para quem ela deve ser lida. Mesmo que só em linguagem amorosa agrade a mesma coisa cem mil vezes dita, ainda ouço alguém por cima do ombro: "Ei, fecha essa janela senão o cupido entra". Pois bem; agora resolveram decretar que é tempo de medir as ações, controlar palavras e esconder o beijo. Disseram que uma hora funcionaria...e melhor seria se não o dissesse entre beijos, se não o dissesses assim, descobrindo o peito. Ah se fosse simples assim, tão simples quanto abandonar uma memória , despedindo-se de si mesmo e vendo o arremate de uma história que terminou externamente. Mas era para ser assim, assim meio fajuto, meio autêntico, meio sem graça; para depois tornar-se perfeito. Depois tudo estará perfeito, praia lisa; águas ordenadas. Meus olhos secos como pedras e as minhas duas mãos quebradas.