Eu não tinha estes lábios de hoje,
assim calmos, assim serenos,
assim amargos
(e estes sorrisos retesados que
nada anunciam)
Não tinha estas pálpebras cinzas,
como todo o amor, o beijo
e suas coisas mais que findas
Não tinha suas bailarinas
dançando com tanta leveza e
levantando seus véus, que
agora escorrem pela escada de vileza
Tinha o teto de espelhos,
onde lhe procurava
e tentava tirar nosso sonho
de dentro das ondas,
com minhas duas mãos quebradas
Ouve:
Traz-me um pouco da luz serena,
que veste de alvura a paz do dia
Um pouco da lembrança
que sustenta, numa flor,
uma pétala de esperança
Deixa-me fechar os olhos
e viajar para longe,
pois o beijo que me deste,
agora mergulha na memória fina
(e lá se esconde)
E permita enfim que eu volte
para o meu fugidio instante,
pois o mundo é maior que
este céu em que não se pode imaginar.
É vil o tempo em que, sonhando,
pus-me a lhe esperar.