sábado, 16 de maio de 2009

Para meu irmãozinho: Ricardo Rodrigues




"Oh, pedaço de mim
Oh, metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi
"
(Chico Buarque de Hollanda)



Éramos quatro: Meu irmão, eu, meu pai e minha mãe.
Por culpa da vida, ficamos, fisicamente, só três.
Ricardo,viciado no timão, não parava de falar mal do Vasco freguês.

Rubro-negro, cabelo ruim, moreno. Tinha camisa do flamengo, gostava de futebol, era atacante e tinha camisa número 3. Era feliz e tinha ciúmes do tal do irmão mais novo; Guilherme.

Eu era criança, pequeno ainda. Muito cedo pra saber o que acontecia. Sabia que todos choravam e sentiam falta do nosso menino.

É ai que a gente pára e se pergunta porque, de um dia pro outro, nosso irmão mais velho de 6 anos de idade precisou ser mais forte - forte como um rapaz - e deixar de fazer o que normalmente toda criança faz, o que toda criança é. Era feliz, carinhoso, coração aos pulos como se sempre andasse com um vulcão atado ao seu peito, hiperativo (descobri da onde vem a minha hiperatividade e ansiedade). Sempre possuiu tudo que tinha para ser o bem querido, bem amado, bem guardado e mal esquecido.

Depois de tantos joelhos ralados, tantas roupas sujas de lama, tanta gripe, febre, queda de bicicleta ... Dessa vez foi diferente: Numa luta desigual a família fez de tudo para não perder pela primeira vez. Mas devia estar em algum lugar escrito, e a lágrima então se foi.

Um dia, resolveu bater mais forte lá em casa o inverno. Tirando o calor das paredes, e deixando os corredores, nosso quarto e nossas vidas mais frios e cinzas do que se queira pensar.

Ah, se soubesse que a vida era assim... Já tinha pedido pra nascer sabendo não sentir saudade, para depois, não ter que descobrir a dor da saudade de quem se ama. Disse Chico Buarque, certa vez : "Saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu".

Quinze anos atrás o destino interrompeu a vida alegre do meu irmãozinho; e hoje, mais velho, ainda choro por saber que perdi meu melhor amigo que não verei nunca mais... Ah meu irmão ... Tanta coisa perdi por não te ter aqui do meu lado.

Engraçado... tem tanta gente que fica na dúvida se gosta de morango ou de chocolate, de baunilha ou de flores. Também tem quem fique se perguntando porque um time ou outro não foi campeão. (Cá entre nós, minha dúvida é não saber qual dor é a pior: A dor de perder um filho, ou a dor de perder um irmão).

Agora, quinze anos depois, é que olho pra trás e vejo que não se pode ser mais forte do que o destino; que ele é mais forte que eu.

E lá se foi Inverno, Primavera, Verão, Outono, Inverno, Primavera...
Mas aquele frio pé-de-vento de 1994 ainda deixa a cama revirada de um jeito estranho e áspero dentro da gente.
Gente que depois de tanto tempo nem sabe mais medir o que é perder alguém. Gente que consegue sentir o vazio da saudade em cada lágrima que desenha nos rostos a dor da ausência de quem se ama.



Muito cedo aprendi que de uma hora pra outra, sem carta nem aviso prévio, pode se perder o sorriso, o brilho de uma tão sonhada vida.

Mas devia estar escrito, e o destino então se fez. Quinze anos sem ele passaram pelo meu rosto, boca e peito... novamente. De um jeito quente, leve, salgado ... que deixa o olho cheio e a bochecha inchada, alma triste e camisa molhada.

Ah Ricardo , meu velho... Saudades do tempo em que, para te ver, eu não tinha que abrir um álbum de fotos no fundo do guarda-roupas do papai.

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