sábado, 11 de outubro de 2008

Amor em vida (texto)


Foi embora, e não quis mais voltar. Arrombou a porta e saiu à rua. Pegou o primeiro ônibus que passava. Precisava urgentemente encontrar um lugar para fugir dentro de si, para se achar dentro da terceira pessoa narrada em primeira que não achava o seu âmago, quando mais precisava saber quem era, quando mais precisava encontrar o silêncio que lhe cortava por dentro.

Descendo a segunda curva, sentiu um fino vento batendo no seu cabelo. Fechou os olhos. Tentou achar um cômodo vazio dentro da imensidão da sua alma, para preencher com suas lágrimas tão salgadas quanto o mar, cada canto daquele lugar, guardar tudo em um só momento e fazer um bolo de rancor cá dentro ... para que a criatura repare no seu sofrimento, na essência do seu tormento. E quando ela encontrar invertida a correnteza verá como o fraco coração reage à ressaca e como resiste à surpresa.

E quando sentiu um forte pé-de-vento, quando despontou o segundo horizonte, viu que lá já se tinha ido
seu amor, a matriz da sua obra quase completa. Então percebeu que havia se criado seu tormento; entendeu que estava vestindo um efémero boneco de farinha sem amor , sem nenhum condimento , sem nenhum coentro.

O que mais precisava era de somente um dia para fazer desabar pelos cantos dos barrancos a fantasia que tinha vestido para acabar com sua agonia, que já não deixava mais bater a luz do dia no firmamento que achava ter guardado dentro de si. Era somente o que ela pedia, um pequeno dia para se curar de todas as feridas deixadas por um amor de falsa magia.

Havia criado sua promessa. Não deixaria ninguém jamais desperdiçar novamente seu alento.
Queria passar a limpo sua vida, reatar seus laços desfeitos pelo veneno que descia cortando os nós com seu paladar violento. Feitos de um nobre linho, seus sentimentos, um a um, foram carinhosamente sendo
atados novamente.

Ao deitar do sol nos campos, ganhou finalmente seu momento de alívio. Foi possível então que não mais batessem às portas de seu peito os trovejados cantos das ondinas. Percebeu o mato ao longe e como verde eram suas copas. Assim como seus olhos, que agora descansados, se deitavam sobre a ramaria.
(Viu que o seu amor era como um passarinho, que saía afora pelo seu caminho, sem saber onde pousar).

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